Carta ao meu filho que não vai poder nascer.

Tempo de leitura: 2 minutos

Tu és aquele que eu desejo e não posso ter por causa da rigidez dos números. Aqueles números que esticados não dão em nada, que não chegam e, muito menos, sobram. Tu és aquele que nunca vai nascer depois de tantas voltas dadas à vida e ao extrato. Aquele que me fez desistir depois de equações dolorosas e planos rasgados, amachucados, deitados fora. Aquele que põe um basta a ambições e propósitos. Aquele que desmancha mantras, orações, projeções, citações.  Aquele que rebenta sonhos, ideiais, convicções. Aquele que não chegou depois de contabilizar possibilidades e impossibilidades. Por causa de probabilidades e improbabilidades. Aquele que não acontece por espelho do presente e medo do reflexo no futuro. Aquele para quem o dinheiro não esticou. Aquele que a inflação das preocupações nao acompanha o lucro das emoções. Que não chegou pôr só mais um lugar à mesa. Que não trouxe um pão debaixo do braço. Que não bastou comer feijão com arroz, esquecer refeições fora de casa e férias. Aquele que podia vir sem luxos mas que nem podia contar com o básico. Aquele que não cabe na casa, no carro, nos horários, no emprego, no tempo, na mesa. Aquele que é mais uma boca para alimentar. Aquele a quem o milagre da vida não aconteceu. Nem nenhum milagre.
Aquele filho que é, normalmente, o segundo, o terceiro ou, porque não, por aí em diante…  Mas que também podia ser filho único de um orçamento apertado. Aquele que devia nascer pela vontade e não existe por contabilidade. Aquele mais um que não pode acontecer. Aquele que se queria mas não se cria. Aquele que não é egoísmo mas noção. Aquele a quem não íamos poder dar, nem mesmo pouco, e que já não sabíamos como fazer para dividir. Aquele que obrigava a mais uma creche, mais alimentação, mais roupa, mais fraldas, mais livros escolares, mais educação, mais tantas coisas básicas para te dar. Aquele que podia vir com muito pouco, mas que com menos que isso não pode. Aquele que mostra que nem sempre tudo é possível e que até o amor tem limites e falhas. Tu és o filho de tantas mães que gostavam de aumentar o seu coração. Tu és o meu filho que não vai poder nascer.

31 thoughts on “Carta ao meu filho que não vai poder nascer.

  • Tambem tenho um filho desses, um filho que nao vai poder nascer.
    Seria o meu terceiro mas nao vai vir por essas razoes todas que disse mas por mais uma nao posso o meu medico proibiu depois da ultima gravidez porque o meu útero ficou maltrarado na ultima gravidez.
    Disse me assim derrepente tinha a minha filha acabado de nascer e eu ja chorava porque nao ia poder ter outro porque nunca mais iria viver aquela experiencia outra vez ?.
    Passaram quase 3 anos desse dia tenho 40 anos e apetecia me tanto encher um pouco mais a casa e o coração .
    Beijinhos para si
    Maria Pires

  • Rita, fiquei muito triste depois da leitura deste texto, sabe porquê? Hoje, a minha filha disse que tinha dois amigos na escola e eles eram seus irmãos, porque os irmãos dela tinham morrido. Sim, isso saiu da boca da minha filha de três anos, primeira filha, única filha… Nunca teve irmãos. Terá? Perguntei. Ela respondeu que não, que já tinha.
    E pronto… Não sei mais o que dizer. Estou triste.

  • "Aquele que devia nascer pela vontade e não existe por contabilidade. Aquele mais um que não pode acontecer. Aquele que se queria mas não se cria. Aquele que não é egoísmo mas noção."

    Serei egoísta? Não quero acreditar nisso… Queria que o segundo tivesse o mesmo que o primeiro… Tirar ao primeiro para se poder ter um segundo ou terceiro. Talvez seja este um pensamento egoísta que há uns anos atrás nao existia… hoje tudo custa dinheiro… hoje nada se cria sem dinheiro…
    Queres praticar um desporto…paga…
    Escola (mesmo publica e obrigatória)… paga…

    Sim porque eu e o meu marido trabalhamos por isso nada é gratuito…

    Paga… paga… paga…

    Sou egoísta? Talvez…

    Um grande beijo Rita,
    Marta Cruz

    • Será que não está a ser egoísta por não dar um irmão ao seu filho…não é retirar a um para dar a outro mas sim partilhar…tenho três filhos…o meu marido quatro, pois tem uma menina do primeiro casamento…o meu filho quando fez sete anos em Setembro, pediu me um mano…sim mais um mano…e a mana bbebé tinha 15 dias e ele naturalmente referiu que para o ano gostava de ter mais um… e não…não retiro de um para dar ao outro…partilha se e eles de pequenos aprendem isso no infantário…quem sabe se um dia lhe faço a vontade…sem dúvida o melhor de nós.. ♥♥♥

    • Uma coisa é não se poder mesmo, outra é querer dar tudo (em termos materiais) a um e achar que se tira a outro. Um irmão é dar muito mais que aquilo que se tira…

    • Olá Marta, desculpe "meter-me" no seu comentário mas sou muito sensível a este tema. Respeito totalmente a sua posição (como poderia não fazê-lo?) e certamente que saberá o que é melhor para si e para a sua família mas, fala deste lado uma pessoa que tem um desgosto muito grande por ser filha única. A minha mãe também pensava assim, que não poderia ter um segundo porque não lhe poderia dar tudo o que era preciso (pagar universidade e essas coisas).
      Hoje tenho duas meninas, com 2 anos de diferença, e não sei se lhes vou poder pagar a universidade. Também não me importo muito com isso porque não sinto isso como responsabilidade minha (embora os meus pais me tenham pago a universidade). Ver a minha filha de 3 anos abraçar e beijar a irmã todos os dias e dizer-me que queria ter mais duas irmãs (aquelas que eu não vou poder ter porque aí já entravamos em outro tipo de esforço que não não estou disposta a fazer , porque ia retirar-me tempo com as minhas filhas) deixa-me completamente convencida de que ter dois filhos foi a melhor opção. Acredito que ter mais coisas não se compara á alegria de crescer com um irmão. Mas, lá está, esta é a minha visão de filha única, muito subjetiva.
      Mas, se algum dia tiver mesmo vontade de ter mais um filho, tenha. 🙂 O seu filho vai agradecer-lhe. Um beijinho

    • Carla marques….eu concordo em tudo o que diz, mas ter outro filho e saber q não lhe pode dar nem o mínimo….nao é retirar ao mais velho…é não ter dinheiro para as fraldas e pagar 2 creches ou mesmo q o mais velho ja ande num infantário publico não co seguir pagar pq não tem mesmo orçamento para isso…. Com td o amor, com td o desejo e com todo o saber q o amor de irmãos é único e insubstituível parece-me uma tarefa impossível ?

    • Percebo o que diz… Trata-se de não conseguir dar aquilo que consideramos o indispensável. Percebo-a perfeitamente. Se a universidade é opcional, a creche infelizmente não é. nem sempre existem avós ou sogros disponíveis para dar uma ajuda. Não foi o caso dos meus pais.
      Um grande beijinho para si *

    • Mas um irmão é assim um presente tão garantidamente bom? Desculpem, mas o que eu mais conheço infelizmente são irmãos que se dão mal! Conheço irmãos que se dão mal por ciúmes, por heranças, por coisas fúteis ou simplesmente por feitios que se chocam. Todos adultos. Na infância talvez todos aproveitem, realmente, a idade da inocência, mas depois na fase adulta, não me venham dizer que os irmãos são todos os melhores amigos. Os adultos são complicados e os irmãos são por natureza, competitivos. Também sou filha única e não morri, nem vejo drama. A vida é como ela é, ninguém sente falta de algo que nunca teve. Não tive, não tive, ponto, acabou aqui. Não lamento, não sou menos feliz, não fui um pequeno monstrinho nem me transformei em alguém egoísta.
      Não é egoísmo nenhum ter só um filho, quer dizer que quem só possa ter um, é preferível não ter nenhum porque parece que vai fazer um mal enorme à criança!
      Uma criança precisa do essencial, do básico, e se só é possível dar o essencial e o básico a uma criança, obviamente que não dá para dividir/partilhar, entrar numa situação de carência do básico e do essencial não é de todo a melhor opção!
      Há que haver sensatez, e agradeço aos meus pais por a terem tido.

  • 🙁 Ai caramba que já me fazes chorar. 🙁 Eu, que nem sabia que queria ser mãe e, se pudesse, teria uns 4 filhos.
    Eu, que ao ver o primeiro dente da minha bebé de 8 meses, já me dá vontade de chorar por ver como está a crescer depressa.

  • Maravilhoso texto. Só mesmo vindo de si. Eu gostaria de ter mais um filho mas as circunstâncias financeiras não me permitem. E a minha filha sempre a pedir. Com 3 anos e quer um bebé verdadeiro ?

  • Tão verdade…..tão sentido…..tão real….a nossa realidade que não nos permite sequer pensar em ter mais que 1 ou 2…..seres que tanta falta irão fazer futuramente a nível pessoal e noutros também a quem não pôde sequer aumentar seu seio familiar com medo de que tudo o que não faltou ao primeiro….faltasse ao segundo….contudo minha avó criou 8 filhos e era doméstica….outros tempos…outros meios….outros tudo……

    • Acho que o problema maior hoje em dia são as creches. Antigamente havia avós e bisavós em casa e sempre alguém que ajudasse com o bebé. Hoje em dia nas cidades já há pouco esta ajuda… Um beijinho enorme

  • A sério??? Com tantas mulheres inférteis que não conseguem nem ter UM filho, acho um dramatismo! Ai não posso ter o 4º, o 5º, o 6º! Quando li este título, até pensei que era um texto de uma mãe infértil ou de alguém que sofreu um aborto…
    Não é que não tenha direito à sua tristeza por não poder monetariamente ter mais filhos, mas daí a "Carta ao meu filho que não vai poder nascer" Parece a gozar com as mulheres que não podem mesmo ter filhos. Poupe-me!

    • Percebo a indignação com o título mas não com o restante conteúdo. E há formas de expressar a sua posição sem ser tão agressivamente…

    • Bom dia, há várias dores. já escrevi sobre infertilidade, sobre quem não quer ter filhos, sobre a maior dor de todas, que é perder um. Tenho este blog há seis anos e este foi o post de hoje. Outra dor como tantas outras. Um beijinho

    • Penso como a senhora acima escreveu (a primeira senhora) , tanta mulher sem um unico filho por infertilidade ou aborto ou por outras razoes não aconteceu e vêm falar de não poderem ter mais um filho (as que ja tem) por causa de dinheiro ? Enfim….

    • E então? há mulheres inferteis, há mulheres que não encontram pais para os filhos que querem, há mulheres que lhes morrem os filhos, infelizmente há mil e uma razões para tristeas. Nada disso invalida este texto e esta dor. Estou consigo Rita, texto lindo.

  • Rita, é um texto bonito e muito bem escrito, aliás outra coisa não seria de esperar vindo de si. mas não posso concordar com o facto de não se ter um filho por causa do "dinheiro"…é uma questão de opções, estou certa que uma criança irá preferir sempre um irmão a…uma casa nova, um carro novo, umas férias num resort, comer neste ou naquele restaurante top, roupa de marca…é uma opinião nada mais que isso!

  • Rita, é um texto bonito e muito bem escrito, aliás outra coisa não seria de esperar vindo de si. mas não posso concordar com o facto de não se ter um filho por causa do "dinheiro"…é uma questão de opções, estou certa que uma criança irá preferir sempre um irmão a…uma casa nova, um carro novo, umas férias num resort, comer neste ou naquele restaurante top, roupa de marca…é uma opinião nada mais que isso!

    • Olá Paula, não se trata de resort, restaurante e etc… Trata-se de ter um 4º filho e conseguir pôr comida na mesa. Se fosse por isso concordo consigo. Mil vezes um filho que luxos. ;))
      Um beijinho

    • Boa tarde infelizmente não se pode ter outro filho por causa de dinheiro sim…tenho um menino de 5 meses que é a minha vida e adorava dar lhe um irmão ou irmã um dia mais tarde…sempre quis ter mais que um filho e não posso dar e nada têm a ver com luxos mas sim pq o dinheiro não estica e não esta a ser nada fácil só com um a meses que o dinheiro mal da para as contas e fazemos de tudo para que não falte comida ao meu filho….jantar fora ferias não sei o que isso é já algum tempo….o dinheiro não é preciso apenas para bens materiais mas sim para comer fraldas e tudo o resto que uma criança precisa para viver tudo o que temos e fazemos é em prol do nosso bem mais preciso o nosso menino e que nunca lhe falte nada do que é necessário…um beijinho a todas

  • nota-se bem a angustia da rita neste texto… espero ter mais filhos, qts n sei, a idade ja me limita as contas.
    abdico de mt coisa e vou continuar a abdicar de mais por eles, mas eu vejo a vida de outra maneira e foi isso q me levou a sair de portugal. tao cedo n penso voltar ate pq a propria familia acha q ter filhos é um "peso enormeeeeee" e é "chatissimo" e é "aborrecidissimo" e so interessa falar deles se forem os melhores em qq coisa.

    n condeno quem n queira ter mais q 1, os filhos nascem para ser amados, com mt ou pouco dinheiro. os pais tem q sentir realizados e felizes, as vezes sao felizes com 1 2 3 4 5 ….. tanto faz desde q sejam uma familia feliz.

    se quiserem retirar o post do contexto ai é outra conversa, mas seja la o q facam com o texto, ele refere-se a um tema especifico. a rita n faz comparacoes em lado nenhum e por favor sejamos adultos/as pq os medos/aflicoes/desejos sao tds mt relativos.

    a quem espera e desespera por processos de adocao e a quem segue interminaveis tratamentos de infertilidade, um abraco do tamanho do mundo. a quem sofre pressao para ter o famoso numero 2, se n vos faz feliz n cedam, ser eternamente o numero 2 de uma familia q ja era perfeita a 3 pode ser um inferno.

  • Chorei………..Que texto tão bom. Forte e angustiante mas verdadeiro e amoroso. A Rita parece uma excelente mão, que pena que não possa fazer nascer esse filho. Da Rita todas as que não conseguem (eu incluída). 🙁

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